Relato da apresentação do
Teatro Mambembe do GAAST no Lar Bussocaba, realizada em setembro de 2012
Depois de sete anos, o Grupo de Teatro
Mambembe do GAAST retornou ao Lar Bussocaba, sediado na cidade de Osasco, para
mais uma apresentação cultural e aproximação espiritual.
Como de costume, o grupo de voluntários
que, desde junho de 2003, mantém viva dentro de si a chama do amor ao próximo
se reuniu, em uma manhã ensolarada de domingo, para ajudar a carregar os cenários
e figurinos que ficam ali na casa da Elisa para dentro do caminhão do seu Nenê
e seguir carreata rumo a essa casa que existe desde 1935 (abaixo, mais detalhes
dessa história) e que atualmente dá guarida a 71 idosos.
De acordo com a assistente social Anna
Carolina Matos, que apesar de trabalhar a apenas oito meses por lá mantém uma
ligação profunda com os moradores e os propósitos da casa, o Lar Bussocaba atua
no sentido de “institucionalizar idosos em situação de vulnerabilidade”. “São
pessoas sem vínculos familiares, achadas nas ruas e levadas para hospitais.”
A relevância da existência do Lar Bussocaba é
ilustrada ao se constatar que em Osasco há somente um abrigo para idosos
dependentes, com apenas 20 vagas. Ou seja, insuficiente para atender às necessidades
de uma cidade de quase 700 mil habitantes. “Estamos a anos-luz da demanda”,
comenta Anna Carolina. “Tivemos até dois casos de idosos que vieram para cá por
vontade própria.”
Uma característica dos idosos que vivem
no Lar Bussocaba é a reduzida capacidade de interação e compreensão, por conta
de problemas de saúde diversos, como esquizofrenia e demência. Tal fato também ocorre
porque muitos dos que lá vivem chegaram oriundos do Hospital Psiquiátrico de
Franco da Rocha (Juquery), encaminhados pelo Poder Público, quando do movimento
de fechamento de manicômios verificado na década de 1990.
Nesse sentido, inclusive, configura-se
preocupante a informação de que a casa está há quatro meses sem os serviços de
um psiquiatra, “devido à saída do Dr. Lucio, que estava conosco há 10 anos”,
lamenta Anna Carolina.
“Os idosos não estão tendo o atendimento
psiquiátrico, e assim, não estamos conseguindo ministra-lhes remédios. A
solução está sendo apelarmos para atendimentos particulares, que custam entre
150 e 300 reais. Estamos acessando a Secretaria de Saúde para agilizar o
atendimento psiquiátrico, pois não dá para eles ficarem sem esse tratamento.”
Atualmente, o Lar Bussocaba, cujos gastos
mensais somam 75 mil reais, é mantido através: dos recursos repassados pela
entidade São Vicente de Paula; do dinheiro angariado por meio de telemarketing;
do bazar permanente mantido pela casa; da aposentadoria daqueles idosos que
recebem o benefício (pela legislação, 70% do total); e de doações.
Recentemente, o Lar Bussocaba foi
inscrito no Conselho Municipal de Assistência Social, o que lhe permite ser, a
partir de agora, reconhecido como uma entidade filantrópica. “A partir desse
registro poderemos pleitear mais recursos junto ao município, por meio do
Conselho Municipal do Idoso”, esclarece Anna Carolina.
Rotina
A rotina dos idosos no Lar Bussocaba prevê um atendimento individual com psicólogos, nos quais são empregados jogos como xadrez para o estímulo cognitivo, por exemplo. Além disso, há atendimentos de Fisioterapia e de Terapia Ocupacional – nesse caso, a TO atende em conjunto com uma oficineira, e realiza atividades de bordado, pintura e colagem, em um trabalho multidisciplinar.
“Também levamos os idosos para passear em
locais como o Borboletário de Osasco e o Parque Chico Mendes. Uma turma,
inclusive, foi assistir a um show dos Demônios da Garoa no SESC”, enumera Anna
Carolina.
Essa frequência de atendimentos e de
passeios é fundamental para que os idosos sintam-se vivos, e tenham momentos de
interação e de socialização. Ainda mais se considerarmos o fato de que somente
50% deles recebem visitas regulares de parentes e amigos.
“Temos de buscar alternativas, pois um
dos reflexos desse abandono dos parentes e amigos é a depressão; tem alguns que
chegam andando e depois não querem mais se locomover...”, comenta a assistente
social.
Abandono, solidão e algumas visões...
Algumas histórias de vida dos idosos relatadas por Anna Carolina ilustram a frágil condição emocional da maioria deles. Como a de Leci Perraga, que chegou ao Lar Bussocaba em 1972, quando contava com apenas 25 anos.
“Ele bebia muito, e a família decidiu
interna-lo, sem que soubesse. Então eles, que moravam na Vila Matilde, zona
leste de São Paulo, convenceram seu Leci a vir até Osasco ‘visitar um asilo’.
No final das contas, ele acabou sendo deixado, e permanece aqui até hoje.”
Outro caso é o da Divina. Ela vivia no
Pinel, e quando do fechamento deste, o marido não quis ficar com ela em casa, e
até hoje essa senhora nunca mais recebeu visitas.
Alguns dos idosos também dizem ver
espíritos pelas dependências do Lar Bussocaba. “A Dona Gemerilda, por exemplo, reclama
de dores de cabeça intermitentes, e diz que há um homem constantemente em seu
quarto. Outra idosa não vai à missa porque quer evitar encontrar o espírito de
um homem que a ‘aguarda’ na frente do restaurante”, relata Anna Carolina.
Ela também recorda duas interessantes
histórias sobre a ligação que se forma entre os idosos e os funcionários do
lar: a primeira é de um idoso que acabou por falecer depois que o enfermeiro
que há anos cuidava dele saiu do emprego. A segunda tem a sensível assistente
social como personagem principal.
“Havia uma senhora chamada Maria Beri,
estava há 15 dias na UTI do Hospital do Mandaqui, com infecção generalizada. Acordei
certa madrugada pensando nela. E no dia seguinte, fui visitá-la. Conversei
bastante com ela, que estava desacordada. Pois bem, passados alguns dias, outra
funcionária daqui foi lá visitá-la, e a Maria Beri falou que se lembrava da
minha visita e do que tínhamos conversado... Outros dias se passaram e sonhei
que o espírito dela estava sentado em minha cama, e apontava chorando para o seu
próprio corpo. No dia seguinte, recebemos uma ligação informando que ela havia
falecido.”
Um dos idosos com quem este escriba
conversou foi Isnaldo Luis da Silva. Ele estava sentado próximo à entrada do
asilo, e aguardava a chegada de sua esposa. O detalhe é que ela não viria
naquele dia, e mesmo assim Isnaldo mantinha-se à espera, hábito que repete
quase todos os dias da semana. “Estou esperando a visita de minha esposa, ela
mora no [bairro de] Helena Maria e vem me visitar hoje. Só de olho na estrada,
para ver se ela vem logo...”.
Navegando entre a realidade e a
ilusão, Isnaldo contou ter nascido, há 64 anos, na Paraíba, e conhecido Luis
Gonzaga, o “Rei do Baião”, a quem teria acompanhado durante 18 anos como
“tocador de pandeiro”. Também afirmou estar a quatro dias no Lar Bussocaba – na
verdade, está lá há quatro anos –, e que teve ‘apenas’ quatro filhos para poder
dar estudo a todos eles, “pois o estudo é a coisa mais importante que tem”.
Histórias do Lar Bussocaba, nas palavras de Neide, voluntária da casa há 20 anos
A participação dos voluntários é de fundamental importância para o bom funcionamento do Lar Bussocaba. São 15 voluntários “fiéis”, que atuam com constância no auxiliar corações e espíritos. Uma dessas pessoas é Neide Bispo, que há 20 anos vai todos os dias ao Lar Bussocaba oferecer seu quinhão de amor ao próximo – ela se tornou voluntária depois de uma tragédia pessoal. “Passei a frequentar quando meu noivo morreu, pois comecei a ficar em depressão... O asilo estava em greve na época...”.
Figura singular, Neide é um
verdadeiro arquivo vivo da história da casa, que, segundo ensina, “foi criada
em 1935 pelo comendador Vicente Melillo, que nesta época ainda não era padre”.
“Ele, que já realizava um trabalho com
moradores de rua, mulheres e crianças que sofriam de tuberculose na região de
Santo Amaro, adquiriu esse terreno, que era uma fazenda de propriedade de Pedro
Colino, e montou uma casa para abrigar homens. Era um centro agrícola para
pessoas que cumpriam pena no [presídio do] Carandiru, e que precisavam ser
reinseridas na sociedade. Então aqui eles aprendiam uma profissão, seja na
lavoura, seja na marcenaria. Até 2006 havia gente dessa época aqui. Essa casa
já chegou a abrigar 800 pessoas, no período entre 1931 até 1970, um verdadeiro
formigueiro.”
Segundo Neide, depois da morte de Vicente
Melillo em “30 de outubro de 1969, apenas três anos depois dele ter recebido
autorização do Vaticano para se tornar padre”, a casa se deteriorou, e somente
resistiu por conta do trabalho de irmãs que se dedicavam à caridade, e de
voluntários como ela.
“Em 1970, foram encaminhados 200
pacientes do Hospital Psiquiátrico Franco da Rocha (Juquery), e a nossa horta
acabou... E porque nos tornamos um asilo psiquiátrico, os cuidados são
complexos hoje em dia, pois os pacientes ficam tentando morder uns aos outros, meter
a mão na cara... O Isnaldo fala que está esperando a filha para assinar os
papéis do casório, mas a filha dele já casou há sete anos...”.
Atenta a tudo que acontece no Lar
Bussocaba, Neide relata as dificuldades no trato com os pacientes, por conta de
seus distúrbios mentais. “É muito bacana (...) ser recebida de manhã por alguém
que está lhe esperando, e à noite, quando você vai embora, ouvir como despedida
uma série de palavrões...”.
Apesar desse tipo de comportamento
algumas vezes acontecer – de fato pude observar uma situação parecida na
interação entre uma jovem enfermeira, que agiu de maneira extremamente
profissional, e uma paciente durante o período em que estivemos por lá –, Neide
mantém a satisfação no trabalho que realiza diariamente.
“Gosto de vir, de ajudar nos hospitais, de
preparar os detalhes dos enterros daqueles que partem... É a minha segunda
casa... Já passei por situações de sofrimento, fiquei muito triste com a
partida de um idoso... ele falava, ‘você vai comigo até o fim’, e fui até o fim
com ele... sinto sua falta, mas também sinto que ele está perto... Se todos
pudessem ajudar os idosos, como vocês estão fazendo hoje, seria muito bom...
Dar e receber...”.
Lar
Bussocaba
Av.
Padre Vicente Melillo, 831 – Jardim Ester
Osasco
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